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O modo artesanal de formar um gestalt-terapeuta

Texto por Sandra Salomão

Parte 1 ( Fragmento da fala de abertura do 1º Simpósio e 2º encontro de Formação Continuada, Supervisão e Pesquisa)

Nós, Gestalt-terapeutas adoramos metáforas, pelo seu grau de representação, transmissão e abertura. Então, para falar do Gestalt-terapeuta e do processo de formar um Gestalt-terapeuta, podemos utilizar a metáfora do artesão.

O que é o trabalho do artesão?

Entende-se que o trabalho do artesão é aquele realizado principalmente com o uso de suas mãos, mediante a interação entre a criatividade, a habilidade técnica e o componente intelectual requeridos para a confecção de um produto artesanal (Google). O que é o trabalho do GT? É o trabalho com a experiência, utilizando a intuição, a criatividade, a habilidade técnica e a sabedoria clínica adquirida enquanto vamos vivendo, trabalhando e aprendendo. E qual seria a diferença entre um artista e um artesão? A principal diferença entre eles é que o artista possui um compromisso com a originalidade e sua forma particular de expressão, enquanto o artesão dedica-se ao domínio de um conhecimento compartilhado por um coletivo.

Um Gestalt-terapeuta é um artesão, um técnico, um artista e um cientista. E integra os dois: possui um compromisso com a originalidade em seu estilo de ser terapeuta e em sua forma particular de expressão, e dedica-se ao domínio de um conhecimento compartilhado por um coletivo.

Artesão, é um profissional que fabrica produtos através de um processo. Artesão-artista: é aquele que por sua criatividade, originalidade, graciosidade e perícia produz peças que provocam profundo sentimento de admiração naqueles que as observam, com um modo manual ou com auxílio de ferramentas (google).

Sua profissão usualmente requer algum tipo de habilidade ou conhecimento especializado na sua prática. Bem, é assim que podemos também definir um Gestalt-terapeuta. Os artesãos medievais eram os profissionais especializados que fabricavam produtos ou  prestavam serviços. Os artesãos medievais dividiam-se entre aqueles que operavam o seu
próprio negócio e aqueles trabalhavam para outros. Os que tinham o seu próprio negócio eram designados mestres. Os restantes eram designados oficiais. Os mestres constituíam o grupo mais influente entre os artesãos, trabalhando normalmente em um estatuto social elevado no meio das suas comunidades (Wikipedia). 

Agora vamos pensar sobre a arte de formar um Gestalt-terapeuta. Na minha experiência, um dia só aprendiz e agora, mestre, este é um processo que se faz pela transmissão, tal como faziam os artesãos medievais e como fazem os atuais. Não falo da transmissão psíquica, termo próprio da psicanálise, mas pela experiência da observação, da transmissão por conceitos, mas principalmente pelas vivências, nos grupos de formação, nos workshops demonstrativos.
O aprendizado do manejo, palavra técnica fundamental no diálogo que ocorre durante a psicoterapia, é originário do que podemos fazer com a mãos, num sentido metafórico, aquilo que manuseamos, se transforma em uma outra coisa: em como manejamos o processo.

Outro aspecto que sempre me encantou é que o trabalho do artesão é estar envolvido em todas as partes do processo, na contramão do processo de produção industrial, compartimentado e no pós-moderno, sem substância. Assim dito, podemos formular uma filosofia e uma ideologia, de como eu penso a formação de um Gestalt-terapeuta: é um processo artesanal realizado pelos formadores, terapeutas formadores e supervisores que mais do ensinar, fazem, constroem, esculpem, transmitem. Os aprendizes começam a aprender como manejar as ferramentas emocionais com o processo de autoconhecimento e para isso, vão precisar contar com a presença de um Gestalt-terapeuta
artesão-terapeuta, de um grupo de crescimento conjunto e de pertencimento. Na descoberta de si mesmos, vão observando os mestres e nesse processo ativo de perceber o outro e o manejo do outro, desenvolvem o ofício de ser Gestalt-terapeuta.

Não é fácil acessar as emoções. Anos de retroflexão e repressão tornam as pessoas estranhas a si mesmas e é no processo de curar-se da ignorância de si que se desenvolve um Gestalt-terapeuta.

A teoria, ainda depois da filosofia e ideologia da abordagem caminha do mesmo modo que um Gestalt-terapeuta, ao seu lado. Nem à frente e nem atrás.

Para que este lindo processo se desenvolva existem os passos:
o estágio universitário, a psicoterapia individual e de grupo, os grupos de formação, os atendimentos e as supervisões.

Em cada uma desta etapa há transmissão de uma expertise e o desenvolvimento de uma competência. Experimentar, errar, acertar, como dizem os italianos, encontrar a justa medida. Repito, o processo artesanal de formar um terapeuta está no sentido inverso das tecnologias pós pós-modernas da busca veloz e sem digestão da produtividade.
O contato do artesão mestre com seu aprendiz terapeuta é de pessoa a pessoa. Na conexão em presença capaz de criar, instaurar ou resgatar o diálogo. Então, a formação artesanal é este diálogo entre a experiência do formador e o desejo do aprendiz a terapeuta. É neste percurso de caminho que um dia, este será um Gestalt-artesão. E se depois for um mestre, é porque já caminhou, e generosamente, apenas porque recebeu esta transmissão, a passa adiante, porque é a única missão que lhe cabe, transmitir ao aprendiz, o seu modo de ser e de fazer.

Obrigada.

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